Clipping – Dinheiro Vivo – Vendas da própria casa puxam pelo mercado imobiliário em 2023

A subida das taxas de juro e o aumento da inflação travou o ciclo ascendente do mercado imobiliário português, mas a valorização das habitações abriu portas a novos compradores. Apesar de se verificar uma quebra nas vendas de casas ao longo dos últimos três trimestres, os preços não caíram, apenas conheceram um abrandamento na trajetória de crescimento. Os últimos dados do Instituto Nacional de Estatística dão conta de uma quebra de 20% no número de casas vendidas nos três primeiros meses deste ano e de uma desaceleração no aumento dos preços para 8,7%. Os proprietários de imóveis, que viram as suas propriedades ganharem valor nos últimos anos, estão a aproveitar este contexto e a mudar de casa sem temor às taxas de juro. É este nicho que está a dinamizar o negócio da compra e venda de casas, ao ponto de os players do setor apontarem para uma recuperação das vendas no segundo trimestre do ano.

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Como sublinha Paulo Caiado, presidente da Associação dos Profissionais e Empresas de Mediação Imobiliária de Portugal (APEMIP), o mercado apresenta “um número muito significativo de compradores nacionais, cuja aquisição está alavancada na venda da sua casa”. Esta é atualmente “a maior fatia do mercado”. E explica: “O que acontece é que, face à valorização que os imóveis tiveram, quem vende uma casa, tem uma dotação financeira que nunca imaginou ter para enfrentar uma nova aquisição e isto faz com que, para muitas destas pessoas, o financiamento acabe por não ter tanto significado, pois têm uma parte de capitais próprios oriunda do proveito da venda”. Nestes casos, a subida das taxas de juro não constitui um impedimento à aquisição.

Nos segmentos altos, o aumento do custo do dinheiro também não obsta a concretização de aquisições. E esta é outra franja do mercado que se mantém dinâmica. Segundo Paulo Caiado, “os imóveis direcionados para os segmentos mais elevados continuam a ter grande procura, e portanto, em momento algum, no âmbito do que foi o aumento da inflação e a subida das taxas de juro, este segmento apresentou algum tipo de retração”. Patrícia Barão, responsável pela área do residencial na JLL, assegura também que “os imóveis com valores mais elevados continuam a ter uma enorme procura”.

O mesmo já não se pode dizer das famílias que têm muitas contas a fazer. O elevado preço das casas, derivado em larga medida da escassez de oferta, e o aumento das taxas de juro está a afastar estes portugueses do mercado habitacional. O resultado é uma “inevitável redução do número de transações”, diz Ricardo Sousa, CEO da Century 21. Como esclarece Beatriz Rubio, CEO da Re/Max, o abrandamento do mercado iniciou-se no final do primeiro semestre de 2022, quando se começaram a sentir os primeiros impactos do conflito na Ucrânia, da crise energética e da subida progressiva dos preços e da inflação. Quando chegámos a 2023, “só poderíamos esperar um arrefecimento”, frisa a responsável. No entanto, e à semelhança dos vários players imobiliários contactados pelo Dinheiro Vivo, Beatriz Rubio adianta que “no segundo trimestre do ano constatámos haver já alguma recuperação”.

Medidas insuficientes

A descida da taxa de esforço para aceder ao crédito à habitação de 3% para 1,5%, que entra em vigor no final deste mês ou início de outubro, deverá viabilizar mais operações de compra, reconhece Marco Tairum, CEO da Keller Williams em Portugal. Contudo, esta é só uma variável das muitas que o país precisa para que a grande fatia dos portugueses possa adquirir uma casa. Segundo Marco Tairum, para as famílias poderem aceder ao crédito é necessário “crescimento do rendimento via crescimento económico do país, redução da carga fiscal e políticas de habitação que ataquem aquele que é o maior problema existente no setor neste momento que é a falta de oferta de novos imóveis”. Ricardo Sousa diz mesmo que a medida do Banco de Portugal “não é suficiente. O grande desafio está do lado da oferta e implica um aumento exponencial de soluções habitacionais até 250 000 euros”.

E também não há dúvidas no setor que a escassez de oferta tem segurado em alta os preços da habitação. Os valores têm estado resilientes à conjuntura, apresentando apenas um abrandamento no ritmo de subida, diz Patrícia Barão. Na análise de Marco Tairum, todos os indicadores apontam para a continuidade na desaceleração, mas não para quebras. “Estaremos perante subidas generalizadas menores”, afirma. Ora, num contexto de diminuição do poder de compra e alguma instabilidade das políticas, isso “limita o número de transações, como já aconteceu no primeiro semestre e contamos ver no segundo”.

Certo é que paira a incerteza de qual vai ser este ano o comportamento do negócio imobiliário residencial no país, depois de em 2022 ter atingido o recorde de vendas de quase 168 mil casas e um valor de transações de 31,8 mil milhões de euros. Beatriz Rubio espera “um segundo semestre mais dinâmico e menos apreensivo do que o primeiro”, embora admita que serão “meses garantidamente desafiantes”. Francisco Bacelar, vice-presidente da Associação dos Mediadores do Imobiliário de Portugal, lembra que o comportamento dos portugueses estará em linha com a subida das taxas de juro, que limitam as possibilidades de acesso ao crédito, ou seja, “podemos perspetivar alguma redução” nas vendas. Para Ricardo Sousa, esta segunda metade do ano será marcada pela diminuição do número de transações, aumento do tempo médio de venda dos imóveis, estabilização dos preços e procura de casas para arrendar por aqueles que não reúnem as condições necessárias para aceder ao crédito.

Fonte: Dinheiro Vivo