Sonho é grátis. Mas para tirá-lo do papel é preciso fazer o planejamento financeiro do jeitinho certo, principalmente se ele envolve a compra da casa própria. Nas contas devem entrar as altas e baixas do mercado, as taxas de juros, sua renda mensal, suas reservas e também os custos de transferência e manutenção do imóvel.
A primeira coisa que você deve saber é que, se não tem dinheiro para comprar à vista (e bem pouca gente tem), terá de juntar pelo menos 20% do valor do imóvel que pretende comprar para dar de entrada no financiamento. Esse é o valor mínimo aceito pelos bancos. Nenhuma instituição séria vai financiar, sozinha, 100% do imóvel e se financiar, desconfie.
De acordo com uma estimativa de Rafael Sasso, cofundador da Melhortaxa, plataforma digital de comparação e auxílio de crédito imobiliário, o brasileiro leva entre dois e três anos para conseguir juntar dinheiro suficiente para dar entrada no financiamento. Mas isso só se seguir um planejamento financeiro.
“Independentemente do preço do bem, seguindo algumas recomendações de economia, leva-se em média de dois a três anos para conseguir acumular a quantia inicial de 20% de entrada sobre o valor do imóvel”, calcula Rafael Sasso, cofundador da Melhortaxa.
Exemplos: a entrada de 20% equivale a R$ 80 mil para um imóvel à venda por R$ 400 mil, R$ 150 mil para um de R$ 750 mil e R$ 200 mil para outro que custe R$ 1 milhão.
Simulação de imóveis de diferentes valores
Valor do Imóvel | Entrada | Valor Financiado | Prazo em Meses | Juros Efetivo Ano | CET (Custo Efetivo Total Ano) | Primeira Parcela | Renda Necessária |
R$ 400.000,00 | R$ 80.000,00 | R$ 320.000,00 | 360 | 7,00% | 7,61% | R$ 2.797,46 | R$ 9.324,88 |
R$ 750.000,00 | R$ 150.000,00 | R$ 600.000,00 | 360 | 7,00% | 7,48% | R$ 5.223,37 | R$ 17.411,24 |
R$ 1.000.000,00 | R$ 200.000,00 | R$ 800.000,00 | 360 | 7,00% | 7,45% | R$ 6.956,16 | R$ 23.187,20 |
As parcelas dos financiamentos, por regra de concessão de crédito, só poderão comprometer até 30% da renda bruta do tomador de crédito.
Então simule o quanto as parcelas consumiriam da sua renda e veja se vai dar para comprar aquele imóvel que faz os olhos brilharem ou se terá de partir para um plano B.
A parte boa é que você não precisa ir de banco em banco para ter uma ideia de quanto seriam as parcelas nem o valor de entrada. Dá para fazer isso usando simulares gratuitos na internet. Inclusive, nós aqui do Valor Investe temos um também.
O terceiro ponto para ter em mente é o seguinte: quem tem nome sujo vai ter muito mais dificuldades de conseguir um financiamento e, mesmo que consiga, vai pagar taxas absurdas que só irão perpetuar o estado de ‘endividado’. Por isso, se tem dívidas, corra para negociá-las ou quitá-las e fique bem na fita.
“Logo de cara, a pessoa deve pesquisar e pensar em qual imóvel ela quer e se ele cabe no bolso. Será que este imóvel cabe na minha vida financeira? Para responder essa pergunta tem de partir para simulação de financiamento. E não é só isso, precisa colocar na ponta do lápis todas as despesas, não só parcelas. Muitas vezes o maior erro é dar um passo maior que as pernas”, afirma o planejador financeiro da Fiduc, Valter Police.
FGTS: Você pode, sim, usar o dinheiro do FGTS para dar entrada no seu imóvel, tanto para dar o valor integral se seu saldo for o suficiente, quanto para completar o que é necessário. Uma das prerrogativas para saque do fundo é justamente a compra de imóvel. Mas quem tem um bom saldo deve aproveitar para dar uma entrada maior e pagar menos juros no financiamento.
Quanto dinheiro guardar por mês?
Considerando que hoje você vá começar do zero sua caixinha, a educadora financeira Luciana Ikedo faz uma previsão de quanto você precisaria guardar por mês. Nas contas, ela considera uma carteira diversificada com rentabilidade nominal de 0,33% ao mês para atingir o objetivo de dar a entrada na casa própria dentro de três anos.
- Entrada de R$ 80 mil para um imóvel de R$ 400 mil (levando em conta a renda da família para liberação do crédito): R$ 2.096,50
- Entrada de R$ 140 mil para um imóvel de R$ 700 mil – (levando em conta a renda da família para liberação do crédito): R$ 3.668,87
- Entrada de 200 mil para um imóvel de R$ 1 milhão – (levando em conta a renda da família para liberação do crédito): 5.241,24
Vale destacar que se você investir em aplicações mais conservadoras que remunerem somente 100% do CDI (1,9% ao ano ou aproximadamente 0,13% ao mês), terá de aumentar o valor guardado por mês para chegar ao objetivo. Ou terá de adiar a compra do imóvel.
O tempo
Por que planejar com antecedência?
Veja bem: juntar dinheiro para um propósito se torna mais fácil se você souber usar o mercado financeiro a seu favor. Quando você sabe exatamente onde aplicar o dinheiro para aquele objetivo, tudo fica mais certeiro e, claro, mais rápido.
Quanto maior o tempo de antecedência antes da data de pagar a entrada do imóvel, melhor. Isso porque enquanto você espera, vai poder colocar o dinheiro em investimentos com juros mais atrativos que só se vê em aplicações de médio e longo prazo e que vão ajudar seu dinheiro a crescer mais rápido.
Vamos supor que você queira comprar seu apartamento daqui três anos. Se você começa a investir hoje, poderá aproveitar opções como as letras de crédito (LCI/LCA) que são isentas de imposto de renda e podem ter remuneração melhor a médio prazo.
Também há fundos com estratégias de médio prazo e até mesmo os bons e velhos títulos do Tesouro Direto, que vão pagar melhor quanto mais longo for o vencimento. Outras alternativas um pouco mais arriscadas de renda fixa são CDBs e títulos privados (como as debêntures) com vencimento mais para frente.
Até existem aplicações com mais liquidez (que você pode resgatar o dinheiro a qualquer momento), mas os juros, principalmente agora que a Selic está em 2% ao ano, são bem baixos. Torna tudo mais difícil, e demorado.
Por isso, ter um prazo mínimo para seu objetivo é essencial, mesmo que ele possa ser adiado depois de um tempo.
“Organização e planejamento são essenciais, já que esse costuma ser o maior investimento da vida de uma família, podendo levar até 30 anos para a quitação”, diz o presidente da Melhortaxa no Brasil, Paulo Chebat.
A planilha
Seja para pagar dívidas, seja para juntar o dinheiro da entrada, você precisa fazer a lição de casa, a parte ‘chata’, mas também a mais essencial: organizar suas contas.
Precisa saber exatamente quanto sobra por mês. É uma conta simples: o dinheiro que você ganha menos as despesas fixas. Quando você descobrir este número mágico, tudo ficará mais fácil.
Não tenha medo de encarar a planilha, de somar os gastos do cartão, das contas. É a mesma coisa de não ir ao médico para não descobrir a doença. Ela vai continuar lá, só vai ser impossível de achar o tratamento.
Uma das recomendações de especialistas é que a soma do seu aluguel e do dinheiro que você vai guardar para o financiamento da casa seja de pelo menos 30% da sua renda. Dessa forma, você já irá se acostumar com essa despesa quando tiver de pagar as parcelas do imóvel.
“Se o aluguel consome, por exemplo, cerca de 20% da renda mensal da pessoa e ela investe outros 20% (para a compra do imóvel) já seriam 40% de comprometimento, sobrando 60% para o restante das despesas”, pondera Sasso, da Melhortaxa.
Lembre-se de que a falta de pagamento pode levar à perda do bem.
Os ajustes
Fez a planilha e percebeu que não está sobrando o suficiente? Então é hora de fazer os cortes necessários. Talvez eles nem precisem ser tão dolorosos.
Comece aos poucos, com coisas que terão um impacto menor no estilo de vida.
Exemplos: trocar o plano de telefone e internet, por um mais simples, criar um teto semanal para os gastos com cartão de crédito e diminuir os pedidos de comida pronta.
Se ainda assim não der, reveze os gastos com lazer, escolha marcas mais baratas nas compras de supermercado ou opte por fazer compras no atacado (para quem tem família maior, pode sair mais em conta). Existem desafios financeiros que podem ajudar na criação desses novos hábitos menos gastadores.
Ainda não é o suficiente? Parta para a renda extra. Fazer bolo, fazer entrega, um bico aqui outro acolá. Pode vender coisas que não usa mais. Sempre lembrando que você tem um objetivo maior pelo qual tudo isso vai valer a pena. No entanto, essa renda extra não pode durar alguns meses e nada mais, já que o boleto da casa própria chegará por vários e vários anos na sua caixa de correio.
O mais importante de tudo na hora dos ajustes (além dos cálculos) é que o sonho e as estratégias sejam compartilhados. Converse com a família e trace o plano em conjunto, vai ser mais fácil realizar o trabalho em time.
Onde guardar o dinheiro?
Claro que o tempo é importante na hora de selecionar os investimentos. Mas também é preciso levar em conta seu perfil de risco.
Não adianta querer apressar o processo indo para investimentos de renda variável como ações, se você não tolera sofrer perdas (que podem ou não acontecer) pelo meio do caminho.
Se possível, converse com um profissional, um planejador ou consultor financeiro que possa ajudar a montar uma carteira diversificada.
Se não, há outras possibilidades. Em qualquer corretora, você responde uma série de perguntas para descobrir seu perfil de risco. Muitas vezes as próprias corretoras sugerem investimentos para seu perfil.
Há também plataformas que usam algoritmos como Warren e Magnetis para fazer estimativas do quanto você deve poupar para ter uma determinada quantia no prazo que deseja. Elas também sugerem aplicações para atingir o objetivo.
Sempre é interessante colocar o dinheiro em diferentes tipos de aplicações, mas com mais ou menos o mesmo prazo para resgate. Isso dá mais trabalho, mas pode acelerar as coisas, multiplicar o dinheiro mais rápido.
“Você pode dar uma temperadinha em fundo de multimercado, por exemplo. Mas precisa ter alguma flexibilidade, porque no dia de pagar a entrada, o mercado pode estar desfavorável. Então precisa monitorar. Se você colocou num multimercado e foi bem num primeiro ano, você pode fazer um rebalanceamento da carteira e transferir esses ganhos para a renda fica, onde terá a liquidez necessária para dar entrada no imóvel no prazo estimado”, afirma o planejador financeiro Valter Police.
Para a educadora financeira Luciana Ikedo, o momento é de sair um pouco da zona de conforto e buscar uma rentabilidade que seja 4% acima da inflação por ano, para que o investidor não perca poder de compra enquanto tenta atingir o objetivo.
“Considerar ativos de emissão bancária como CDB, LCI e LCA que paguem IPCA mais cupom pode ser interessante, assim como títulos pós-fixados (CDBs) que atualmente encontramos pagando até 160% do CDI, fundos multimercados e ativos de renda variável, lembrando que hoje temos acesso tanto ao mercado local quanto ao mercado internacional”, diz.
Rafael Sasso lembra ainda que, para quem não tem dívidas, outra maneira de acelerar o processo é poupar integralmente o décimo-terceiro salário e o adicional de férias pelo menos dois anos consecutivos, mesmo que em aplicações mais conservadoras como carteiras digitais (que rendem 100% do CDI), Tesouro Selic ou poupança.
A entrada e outros custos
De repente, ao ler a matéria até aqui, você pensou: ‘poxa, já tenho o dinheiro para a entrada’. Ou algo como: ‘falta bem pouco para chegar aos 20% da entrada’.
Nesses casos, há quatro coisas para serem avaliadas antes de você comprar o imóvel.
- O preço dos imóveis
- Os juros historicamente baixos
- Fatia do gasto com juros
- Outros custos para compra e manutenção
“Os preços naturalmente vão subir. Já estão subindo, na verdade. A procura por crédito deve continuar batendo recordes”, alerta Sasso, da Melhortaxa.
Para o executivo, quem já tem o dinheiro deve aproveitar o momento que combina imóveis com pouca valorização nos últimos anos e as taxas nunca vistas no mercado brasileiro, que estão em cerca de 7% ao ano mais Taxa Referencial (atualmente em zero).
“Quanto mais o interessado demorar, maior a probabilidade de pagar mais caro por conta da subida dos preços do mercado imobiliário. Pode acontecer de o comprador querer esperar uma queda maior dos juros para economizar 1% de taxa e o preço do imóvel que ele desejava adquirir acabar aumentando em 10%”. Ou seja, a conta não fecha.
Já o planejador financeiro Valter Police vai em outra direção. Para ele, não adianta se afobar. A compra do imóvel deve ser feita com calma e quanto mais dinheiro você tiver para dar de entrada, melhor. O especialista argumenta que vale a pena esperar para pagar menos juros durante o financiamento.
“As pessoas devem ir com calma. Se possível, façam um ‘test-drive’, aluguem um apartamento no condomínio onde querem comprar. De repente, até conhecem um morador que quer vender por um preço melhor”, afirma.
Para saber a hora de comprar ele aconselha: “Se o valor das parcelas será o mesmo do seu gasto com o aluguel, talvez seja a hora certa de comprar. Porque significa que você terá uma boa entrada e não vai ver as despesas aumentarem com o financiamento”.
Quanto aos outros custos, o comprador deve ficar atento aos impostos, tarifas de banco e taxa obrigatória de inspeção do imóvel.
“Um dos primeiros gastos são as custas cartorárias, a maioria das pessoas não se lembram desses custos. O Imposto sobre a Transmissão de Bens Imóveis (ITBI), registro do cartório, são taxas que são de responsabilidade do comprador. Isso fica em entre 2,5% e 3,5% do valor do imóvel. Esse é um ponto que precisa ter um planejamento financeiro antes de seguir para comprar um imóvel”, diz Fernanda Machado, cofundadora da Felí, correspondente bancário imobiliário do grupo Bild Desenvolvimento Imobiliário e Vitta Residencial.
Depois da compra, há ainda os custos com ajustes e manutenção. Você deve lembrar do valor do IPTU, do condomínio e de pequenos ajustes que precise fazer.
“As pessoas normalmente deveriam ter uma poupança além do ITBI e registro do cartório, para fazer a parte de acabamento mais fino que seria, por exemplo, os armários, algo para ele morar de imediato. O que acontece é que a maioria das pessoas não se programam para esses custos por estarem alavancadas com o financiamento do imóvel”, completa Machado.