Clipping – G1 – Após boom de imóveis populares, juro alto tira poder de compra dos mais pobres, que se apertam para pagar parcelas

2021 viu um novo recorde de financiamentos imobiliários e registrou aumento nas vendas de casas e apartamentos pelo programa habitacional Casa Verde e Amarela (antigo Minha Casa, Minha Vida). Muita gente das classes C e D aproveitou o crédito baixo e as condições facilitadas para comprar o primeiro imóvel.

Em 2021, foram vendidas 126,4 mil unidades pelo programa, mais de 4,2 mil a mais (3,5%) que em 2020, segundo dados da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC). A veterinária Ana Paula Monteiro, de 38 anos, e o técnico de máquinas Jefferson Almeida, de de 32, foram alguns desses milhares de pessoas que utilizaram o programa social para realizar o sonho da vida, com apertos e sacrifícios para pagar.

Mas, depois do boom, o sonho da casa própria ficou mais distante para as famílias com rendas mais baixas neste início de 2022 – e, para alguns, virou um pesadelo. O aumento do juro, por menor que seja para quem se enquadra no programa, já é capaz de comprometer o valor financiado pelo banco – e inviabilizar a compra.

Sonhos em 2021…

As vendas do projeto Casa Verde Amarela, voltadas para quem ganha até R$ 7 mil por mês, foram responsáveis por 48% de todas as vendas de imóveis do ano passado. Quer dizer que quase metade das pessoas que compraram casa em 2021 conseguiram financiar pelo programa.

Os maiores clientes das construtoras pesquisadas pelo g1 foram jovens entre 25 e 38 anos, solteiros e comprando o primeiro imóvel. Depois, estão os jovens casais sem filhos ou com filhos pequenos – e também os papais e mamães de pets.

A veterinária e administradora Ana Paula Monteiro é uma dessas jovens solteiras que batalhou muito antes de conseguir financiar o apartamento. Aos 38 anos, ela mora com os pais e conta os dias (menos de 15!) para se mudar para o apartamento que comprou na planta no ano passado.

Ela vendeu o carro e deu como entrada no apartamento de 26 metros quadrados na Zona Sul de São Paulo, financiado com juros especiais do programa habitacional. No dia seguinte à assinatura do contrato com a Caixa Econômica Federal, Ana foi demitida do trabalho na área administrativa. Depois de alguns meses à procura, conseguiu emprego em uma clínica pertinho do novo prédio.

Foi justamente a proximidade com o trabalho que fez o técnico de máquinas Jefferson Almeida (32) comprar seu primeiro apartamento de cara. Ele nem precisou visitar outros prédios. Viu, gostou e comprou. Falando, parece simples, mas não foi uma escolha fácil.

Quem também riu à toa em 2021 foram as construtoras com foco em casas e apartamentos voltados para o programa social.

A Vitale Construtora, focada em empreendimentos para Casa Verde Amarela no Rio de Janeiro, teve aumento de 50% nas vendas entre 2020 e 2021. Philippe Martin, gerente Comercial da construtora, disse que a empresa esperava aumentar as vendas em 20% e ficou surpresa com o salto.

Sheila Ferreira, gerente comercial da incorporadora Rio8, terminou 2020 zerando as unidades de um empreendimento – e tudo feito online, com clientes fechando contrato com assinatura digital e sem terem visitado o imóvel. O que parecia bom no final daquele ano ficou melhor ainda no começo do seguinte: venderam mais de 50% do principal lançamento de 2021 em um único dia.

…Pesadelos em 2022

Os clientes dessa faixa de renda são mais sensíveis ao aumento do juros, por menor que seja.

“Existe um par chamado inflação e juros, eles andam bem juntos. As camadas de renda mais baixas foram as que mais sofreram perda de poder aquisitivo porque gastam 30% em alimentação, precisam sobreviver e cortam supérfluos e luxo. O dinheiro não rende, ele financia mais coisas básicas inclusive para cobrir as contas e está mais desprotegido porque a renda está muito apertada”, avalia Alberto Ajzental, professor da Fundação Getúlio Vargas.

E as construtoras sentiram isso. perderam vários clientes no meio de negociações de compra por causa disso. “Qualquer aumento muda significativamente a aquisição dos clientes. Se aumentou meio ponto percentual no juro, ele perde poder de compra em R$ 10 mil, R$ 15 mil de financiamento e já fica impossível comprar”, conta Martin.

O resultado é menos gente fazendo novas compras, e pessoas ou famílias que já compraram se apertando demais para conseguir pagar a dívida.

Fonte: G1