Clipping – Valor Investe – Decisão da CVM sobre fundo imobiliário preocupa mercado

Uma decisão do colegiado da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) tem deixado apreensivos participantes da indústria de fundos de investimentos imobiliários (FIIs). O posicionamento é ligado a um caso específico, de um fundo gerido pela XP administrado pelo BTG Pactual, chamado Maxi Renda e negociado sob o código MXRF11. Mas, se o ponto de vista adotado prevalecer, tem potencial para atingir todo o mercado.

A preocupação é que o novo entendimento pode ter repercussão tributária e afetar a distribuição de dividendos, dois grandes atrativos para os fundos imobiliários nos últimos anos. O centro da questão é: deve o fundo continuar pagando rendimentos sem considerar a redução do valor de mercado de seus ativos, como aconteceu com os imóveis durante a pandemia?

Tudo começou quando a área técnica da CVM solicitou que o BTG passasse a distribuir dividendos aos cotistas do fundo Maxi Renda somente quando houvesse lucro contábil, um resultado que é afetado, por exemplo, pela avaliação dos imóveis. Nos fundos “de tijolo”, isso é feito anualmente, com base em um laudo de avaliação. Nos fundos “de papel”, que têm principalmente certificados de recebíveis imobiliários (CRIs), a inflação é um dos maiores impactos.

Para a Superintendência de Supervisão de Securitização (SSE), desde 2014, o fundo distribuía rendimentos a seus cotistas “em montantes substancialmente superiores” aos lucros dos exercícios ou acumulados. Segundo a área, os rendimentos distribuídos pelo Maxi Renda aumentavam o prejuízo e reduziam o patrimônio líquido. Assim, as distribuições não seriam resultantes de renda ou lucros auferidos pelo fundo, mas sim da distribuição do capital aplicado pelos próprios investidores.

O BTG recorreu ao colegiado e argumentou que a apuração dos resultados dos FIIs para fins contábeis (demonstrações financeiras) não teria a mesma finalidade nem os mesmos efeitos que a apuração dos lucros de uma sociedade. A Lei 8.668, que criou a modalidade em 1993, obriga a distribuição aos cotistas do valor mínimo de 95% dos lucros auferidos pelo fundo para que haja isenção tributária. E também exige que o lucro seja apurado no chamado “regime de caixa”, que tem como base o resultado financeiro. Assim, para o administrador, deveriam ser consideradas as despesas e receitas que passaram pelo caixa. O BTG citou ainda, ofício-circular da CVM, de 2014, que teria o intuito de deixar claro o fato de o lucro contábil ser apenas um ponto de partida para apuração do chamado “lucro caixa”.

No alto escalão da autarquia, o relator do caso foi Fernando Galdi, que tem extensa formação na área contábil. O diretor teve uma opinião distinta da que consta do ofício da CVM citado pelo BTG. Para ele, qualquer valor distribuído acima do apurado pelo lucro contábil acumulado deve ser apresentado como amortização de cotas ou devolução de capital, e não como distribuição de rendimentos. Esse ponto preocupa os especialistas no assunto, uma vez que, para pessoas físicas, maior público dos fundos imobiliários, a distribuição de rendimentos é isenta de imposto de renda, enquanto a amortização seria tributada. Galdi apontou a possibilidade de uma assembleia do fundo decidir por essa não devolução de capital.

A decisão não foi unânime. O diretor Alexandre Rangel entendeu que o BTG atuou conforme determina a lei e ofício da CVM. Boa parte da indústria atua sob essas práticas e há o risco de gerar insegurança jurídica, externalidades negativas e assimetrias regulatórias, com possíveis implicações sistêmicas, alertou. “Foram diversos os fundos de investimento imobiliário que apuraram e distribuíram rendimentos pelo regime de caixa nos últimos semestres, em valores superiores ao lucro contábil acumulado ou no período”, disse em seu voto. Os motivos incluem remarcação a mercado ou ajuste a valor justo de ativos que integram as carteiras, crise decorrente da pandemia, provisões e contingências.

A decisão do colegiado vale para o caso específico, mas ainda pode ser objeto de reconsideração.

“A CVM deveria esclarecer o real impacto para todos os fundos imobiliários, justamente para não criar insegurança jurídica em uma indústria que atrai tantos investidores”, disse Daniel Kalansky, sócio do Loria e Kalansky Advogados. Para Ricardo Lacaz Martins, sócio do Lacaz Martins, Pereira Neto, Gurevich & Schoueri, a decisão da CVM não observou a sistemática dos fundos imobiliários. “A norma, como vinha sendo interpretada, era favorável ao investidor, ao mercado. Agora, cria uma situação de fundos com caixa sem terem saída para o caixa”, disse.

O Maxi Renda (MXRF11), alvo do escrutínio da CVM, é um dos maiores fundos imobiliários do mercado em número de investidores: são 500 mil cotistas. Trata-se de um fundo híbrido, de “papel e tijolo”. Em fato relevante , o BTG informou que “permanece avaliando as implicações da decisão do colegiado, bem como eventuais providências administrativas a serem tomadas”. O caminho a ser tomado tende a ser um pedido de reconsideração ao colegiado. Isso é possível em casos específicos, por exemplo, quando é comprovado que houve contradição. Atualmente, a composição do colegiado é diferente daquela que proferiu a decisão, em dezembro. Galdi deixou o regulador e Otto Lobo assumiu no início do ano.

A criação dos fundos imobiliários no Brasil teve clara inspiração no “primo estrangeiro” Reit (sigla em inglês para Real Estate Investment Trust). “Para um investidor é mais inteligente comprar um fundo imobiliário ao invés de uma sala comercial, para receber aluguel. Se a sala se desvaloriza, o aluguel continua entrando. Se prevalecer o entendimento da CVM, acabará distorcendo a ideia da lei, que era o de simular o investimento em imóveis”, disse Rodrigo Medeiros, analista especialista em fundos imobiliários. “A mudança constante de entendimentos gera insegurança. Imagine, por mudança de entendimento, um fundo ficar seis meses sem pagar renda. É um problema drástico”, disse um administrador fiduciário.

Já o risco de o fundo distribuir dividendos acima do lucro é distribuir para o investidor de hoje um rendimento que deveria ser guardado para pagar o cotista de amanhã.

Fonte: Valor Investe