Presidente do Colégio Registral do RS orienta associados sobre o Provimento nº 88/2019 do CNJ

Em outubro de 2019, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) publicou o Provimento nº 88/2019, que dispõe sobre a política, os procedimentos e os controles a serem adotados pelos notários e registradores visando à prevenção dos crimes de lavagem de dinheiro. A normativa, ainda muito recente, tem gerado diversos debates acerca do papel dos profissionais extrajudiciais em sua aplicação.

O presidente do Colégio Registral do Rio Grande do Sul, Cláudio Nunes Grecco, ex-presidente do Instituto de Registro Imobiliário do Rio Grande do Sul (IRIRGS) esclarece alguns dos principais pontos do texto e orienta os associados das entidades. Confira.

 

1. O que o Provimento nº 88/2019 traz de novidades para o setor extrajudicial?

Na verdade, o Provimento 88/2019 apenas explicita a qualificação e remessa de informações que notários e registradores farão, a título de contribuição gratuita, para a sociedade brasileira de uma legislação já existente. Houve uma evolução na edição de normas como o Decreto 154 de 26/06/1991, a Lei 9.613 de 03/03/1998, Lei 12.683 de 09/07/2012, Lei 13.260 de 16/03/2016, Lei 13.170 de 16/10/2015 e o Provimento 88/2019 de 01/10/2019 entre outros dispositivos legais.

 

2. Quais são os principais pontos abordados no Provimento?

Seguramente, é a qualificação e remessa de informações detalhadas com o fim de coibir a corrupção e a lavagem de dinheiro, algo extremamente difícil de ser detectado. Além disso, a prática de lavagem de dinheiro pressupõe a existência de um crime anterior. No entanto, não podemos olvidar que toda essa legislação é baseada em recomendações da ONU e outras entidades internacionais. No nosso entendimento, essa transposição de práticas/conceitos alienígenas advindos do common law/equity e inserido no sistema de Direito continental-germânico adotado por nós traz inúmeros desafios, principalmente para notários e registradores. Há uma visão negativa dos negócios jurídicos como um todo, o que viola princípios norteadores da legislação atual, até então existente, e do próprio Superior Tribunal de Justiça (STJ) em pronunciamento recente.

 

3. E quais são os mais polêmicos?

É importante ressaltar que essa é uma opinião pessoal minha e não da instituição que ora presido. Como dizia Voltaire, “segredo de aborrecer é dizer tudo”. Sou extremamente crítico com relação a esse modelo que é oriundo, principalmente, do common law/equity. Várias nações começaram a utilizar os serviços de inteligência com o intuito de detectar e reprimir ações terroristas, combate ao narcotráfico, corrupção etc. Ocorre que hoje percebemos que a implantação de algumas políticas provocaram graves violações aos direitos humanos em diversos países. O Brasil, infelizmente, é um dos países em que a percepção da corrupção é muito grande, apesar de políticas como o compliance, legislação anticorrupção, boas práticas, auditorias internas e Stakeholders. Na verdade, há um histórico interessante nesse processo. Acreditamos que o início se dá com a FCPA (Foreign Corrupt Pratices Act) que visava coibir atos de corrupção com sanções civis, administrativas e penais a empresas no exterior e não em solo americano.  No mesmo sentido, o Reino Unido também editou normas mais rigorosas sobre o tema – UKBA.  Mas elas apenas incentivam a colaboração, diversamente ao que ocorre aqui, onde inclusive há sanções aos notários e registradores.

Alguns críticos desses institutos acima mencionados dizem que há violações graves nessa política, entre elas a vulnerabilidade das partes, interferência na autonomia privada, quebra do princípio da boa-fé, igualdade e liberdade das partes. Ou seja, princípios norteadores do negócio jurídico são violados nessa visão policialesca do Estado. Aqui cabe lembrar a fantástica obra de George Orwell, “The Big Brother”.

Além disso, no caso de notários e registradores, as informações já eram remetidas para a Receita Federal através da DOI, com base no Decreto Lei 1.381 de 23/12/1974 e demais legislações atinentes a espécie. E ultimamente, nas últimas alterações, houve grandes equívocos, como a redundância de informações prestadas pelo notário e depois pelo registrador. Também não mais se exigiu que os escrivães judiciais/chefes de secretarias informassem a Receita Federal os títulos judiciais, principalmente relativos a inventários e partilhas. Isso demonstra um dilema interessante. Se o Poder Judiciário é um dos principais protagonistas dessa política deveria informar os atos perfectibilizados no foro judicial também.

Nossa maior crítica diz respeito à falta de suporte institucional, a privatização das investigações criminais, a quebra do princípio da ampla defesa e do devido processo legal.  Com relação ao suporte institucional, no meu sentir, a edição do Provimento deveria ter sido precedido de uma ampla discussão das entidades de classe, inicialmente, segmentada por setores, e, posteriormente, em conjunto. Da forma proposta, será de difícil execução ou inócua. Deveria haver prazos mínimos de implantação, criação de softwares adequados, treinamento dos colaboradores etc, além da previsão de ressarcimento dos custos.  A transferência de atribuições do governo aos notários e registradores importa em trabalho minucioso e de difícil execução sem a devida remuneração.  Como dizia Agostinho de Hipona, “não sacia a fome quem lambe pão pintado”. Hoje, no RS, há cerca de 250 cartórios vagos. Muitos recebem complementação de renda mínima.

Como em outros tipos de crimes, haverá uma transferência dos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro para outros ativos não rastreáveis. Haveria outras soluções mais interessantes a serem implementadas.

Outra questão é o prazo para a remessa das informações, pois é extremamente exíguo. Há outros pontos também sobre a qual deveremos nos debruçar para melhor compreender o dispositivo. Essa é apenas uma análise perfunctória.

 

4. Qual orientação é dada aos associados do Colégio Registral do RS?

Pela análise feita até o momento, solicitamos que os colegas tenham calma. Esse processo, como qualquer processo de alteração legislativa, será construído por todos nós. Inicialmente, informaremos com os dados que tivermos disponíveis. Nosso intuito, conforme a ata da 2ª reunião do CORI-BR já publicizada nos grupos de WhatsApp, será no sentido de fornecer softwares adequados para auxílio das qualificações e comunicações em lote com caráter objetivo, em formato estruturado. Em um segundo momento, conforme conversas com o COAF, alteração dos prazos para as informações, semelhante aos prazos da antiga DOI. Também será criado um tutorial para a remessa das informações. Precisamos que os colegas contribuam de todas as formas. Todas as críticas são bem-vindas. O Colégio Registral do Rio Grande do Sul sempre foi e é aberto ao diálogo franco e respeitoso. O que não devemos fazer é tomar decisões unilaterais e que prejudiquem a nossa unidade de ação. Agimos dessa forma com relação ao Sinter e fomos exitosos. Nosso quadro social já demonstrou sua força em inúmeras vezes em que foi chamado a participar. 

 

Fonte: Assessoria de Imprensa

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