Clipping – Gaúcha ZH – Depois da vitória de Bolsonaro, aumenta o número de casamentos entre pessoas do mesmo sexo

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São Paulo, Brasil – Horas depois de Jair Bolsonaro ter ganhado as eleições presidenciais para os conservadores com grande margem, Carolina Zannata e a namorada ligaram para o cartório mais próximo e marcaram a data do casamento.

A união entre pessoas do mesmo sexo é legal no Brasil desde 2013, e Zannata admite que nem ela, nem Aline Foguel tinham pressa, mas a vitória de Bolsonaro – político de extrema-direita que já chegou a declarar que era “homofóbico, com orgulho” – fez com que mudassem os planos.

“Ficamos com medo. Temos de aproveitar os direitos que custamos tanto a conquistar porque não sabemos o que vem por aí”, diz Zannata.

Bolsonaro acabou de tomar posse e uma de suas prioridades é cumprir a promessa que fez durante a campanha, a de defender “o verdadeiro significado do matrimônio como a união entre homem e mulher”.

Agora presidente, ele terá poder de agir para tornar esse plano realidade, também porque seu partido se tornará a segunda maior força na Câmara dos Deputados, graças ao imenso apoio que teve na votação de outubro.

Segundo os especialistas legais, é quase certo que o Supremo Tribunal Federal derrube qualquer legislação que tente reverter a legalização do casamento gay, mas não se sabe quanto tempo o processo pode levar.

“Pode até haver tentativas de tornar a união homoafetiva ilegal, mas a Constituição prevalecerá. Entretanto, é natural que haja preocupação, pois essa é uma comunidade que já foi e continua sendo supermarginalizada”, afirma José Fernando Simão, professor de Direito Civil e de Família na USP.

Assim, no início de dezembro, Zannata e Foguel reuniram os amigos e familiares para uma cerimônia simples, no cartório mesmo, seguida de um almoço festivo. Elas se juntaram à onda de casais homossexuais que estão correndo para o altar – por amor, mas também por medo e/ou em desafio ao que o novo governo possa vir a fazer.

Dos cinco matrimônios realizados pelo juiz de paz naquela manhã, quatro foram de pessoas do mesmo sexo.

Segundo a Arpen, o número de uniões homoafetivas realizadas no Brasil teve um aumento de 66 por cento em novembro. Em São Paulo, maior cidade do país, houve 57 cerimônias só nos primeiros dez dias de dezembro; só para comparar, em dezembro de 2017 foram realizadas 113.

Bolsonaro, que durante quase três décadas foi uma figura menor e obscura no Congresso, ficou mais conhecido por suas opiniões explosivas em relação às mulheres, gays e negros, mas conseguiu ver na corrupção desenfreada na política e na alta criminalidade oportunidades eleitoreiras, lançando-se como o candidato com poder de restaurar a ordem pública.

Além disso, ganhou muitos votos graças ao seu conservadorismo cultural. Durante a campanha, acusou o governo anterior, de esquerda, de distribuir um “kit gay” nas escolas, referência ao material de educação sexual que, segundo dizia, poderia “perverter” os alunos.

Para muitos membros da comunidade LGBT, o maior medo é que a retórica explosiva do novo líder insufle uma nova era de intolerância e intimidação, com alto potencial de descambar para a violência.

“O pessoal hoje escancarou o discurso homofóbico que antes se constrangia em expor. Tenho tanto medo de reviver um passado que achei que já fosse superado que comecei a ter ataques de pânico”, confessa Aline Foguel.

As eleições, extremamente polarizadas, geraram uma profusão de ataques de motivação política, com postagens virulentas nas redes sociais e até a criação de um jogo de computador em que o usuário, usando um avatar de Bolsonaro, mata esquerdistas, feministas e gays.

Zannata conta que conseguira ignorar o clima tenebroso até ver um vídeo em que a torcida do Palmeiras, uma das maiores de São Paulo, canta exaltando a maneira como Bolsonaro, na época candidato, mataria os gays.

Torcedora fanática do time, até então ela sempre tinha ido aos jogos. “Era um bando de machistas, mas dava para tolerar, só que agora estou com medo de ir ao estádio”, revela.

Sentindo a possibilidade de mudança nos direitos legais, Maria Berenice Dias, presidente da Comissão Especial da Diversidade Sexual e Gênero do Conselho Federal da OAB, encorajou os casais gays no fim de 2018. “Àqueles que estão pensando em se casar, sugiro que se apressem e formalizem sua união antes da virada do ano.”

Ao mesmo tempo que os gays começaram a correr para os cartórios, uma onda de apoio e torcida tomou conta das redes sociais pelos casamentos feitos às pressas.

“Eu me solidarizo. As pessoas estão fazendo isso por medo, sem nem ter dinheiro para pagar pela documentação. Eu quis só ajudar”, explica Rossanna Pinheiro, fornecedora de pacotes de karaokê para festas, que decidiu doar seu equipamento para cerimônias e organizar voluntariado.

Confeiteiros, boleiros, planejadores de casamento, fotógrafos e DJs também começaram a oferecer seus serviços de graça, e os ativistas pelos direitos gays, a organizar cerimônias coletivas.

Em uma delas, há pouco tempo, realizada pelo voluntariado em uma fábrica reformada em São Paulo, quatro casais que organizaram suas uniões em menos de três semanas subiram ao altar.

“Vamos resistir. Lutamos por esses direitos e não podemos voltar para o armário”, exclama Victor Silva Paredes, de 23 anos, antes de seguir até o altar ao lado do pai.

Para Noah Beltramini, transgênero, foi um momento de alegria, mas também uma decisão tomada sob pressão, entre tantas outras. Isso porque está correndo não só para se casar, mas também para trocar oficialmente o nome e identificação de sexo, como permitido por deliberação do STF no início de 2018.

“Era coisa com que nem me preocupava, mas, com Bolsonaro no poder, eu me sinto totalmente vulnerável”, admite.

Sob vários aspectos, a cerimônia coletiva foi bem tradicional, com as noivas de vestido branco, os noivos de terno, uma banda voluntária tocando músicas românticas e um bolo de vários andares à espera de ser devorado – mas também não deixou de ser uma manifestação política.

“O amor não tem raça, cor, sexo ou gênero; hoje é o dia em que todos terão de respeitar a decisão de vocês”, declara o juiz de paz.


Fonte: Gaúcha ZH | New York Times