Artigo – Migalhas – Não incidência de IPTU sobre imóveis usados para fins comerciais quando fechados em razão da covid-19 – Por Iure Pontes Vieira

A propriedade é considerada como o direito que se tem de um bem como próprio podendo dele usar, gozar e dispor de maneira plena e exclusiva, conforme art. 1228 do CC

Com a paralisação dos negócios provocada pela Covid-19, muitos contribuintes se buscam medidas judiciais capazes de mitigar os efeitos econômicos nefastos do confinamento.

Uma delas é a possibilidade de ir a juízo requerer o não pagamento do Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana (IPTU) de imóvel usado para fins exclusivamente comerciais durante o período de isolamento social, em razão de medida administrativa de órgão público o proprietário que proíba seu uso comercial. Nesse caso, em decorrência da limitação do uso do imóvel, já que não é possível abri-lo, motivada por ato de autoridade municipal, estadual ou federal, ou pela promulgação de lei ou resolução que impossibilidade a realização de suas atividades, parece-nos que estamos diante da não incidência do IPTU.

Essa interpretação provém do fato de que Código Tributário Nacional (CTN), em seu art. 32, dispõe para fins de IPTU: “O imposto, de competência dos Municípios, sobre a propriedade predial e territorial urbana tem como fato gerador a propriedade, o domínio útil ou a posse de bem imóvel por natureza ou por acessão física, como definido na lei civil, localizado na zona urbana do Município.”

A propriedade, o domínio útil ou a posse como bem descreveu o próprio artigo acima são definidas pelas leis civis. Assim, a propriedade é considerada como o direito que se tem de um bem como próprio podendo dele usar, gozar e dispor de maneira plena e exclusiva, conforme art. 1228 do Código Civil. Domínio útil é a enfiteuse, instituto determinado como o direito consistente na posse, no gozo e no desfrute de determinado bem, cujo proprietário é outrem, a título gratuito ou oneroso (mediante renda, pensão, por exemplo). Já a posse, nos termos do IPTU, consiste na forma que alguém age como título de domínio, em razão de usufruto, compromisso de compra e venda, mas não em função de uma simples locação ou arrendamento.

Com efeito, se diante de ordem administrativa que prevê o fechamento de comercio, não é possível fazer o uso do imóvel da forma que estava sendo feito, já que durante um certo lapso temporal, foi esvaziado o direito de propriedade do contribuinte, ao não ser possível usufruir do imóvel, de operacionalizar suas vendas de maneira presencial. Por conseguinte, já não haveria o fato gerador do IPTU, quando ao contribuinte, lhe foi tolhido seu direito de uso, gozo e fruição do bem imóvel de maneira exclusiva e plena.

Inclusive, essa interpretação encontra paralelo quando a jurisprudência, em matéria de ITR, reconhece a não incidência de ITR nos casos em que o proprietário não possa exercer todas as suas capacidades de uso, gozo e fruição de imóvel. É assente no STJ o entendimento de que o proprietário de imóvel não deveria pagar ITR quando sua terra foi invadida, já que, assim como o IPTU, o fato gerador do ITR seria o domínio útil ou posse do imóvel. Em espécie, com a invasão de terra orquestrada pelo movimento “sem terra”, o direito do detentor do imóvel ficou tolhido de praticamente todos seus elementos: não há mais posse, possibilidade de uso ou fruição do bem; consequentemente, não havendo a exploração do imóvel, não há, a partir dele, qualquer tipo de geração de renda ou de benefícios para a proprietária.

Em acordão, os ministros comungam do entendimento de que o direito de propriedade sem posse, uso, fruição e incapaz de gerar qualquer tipo de renda ao seu titular deixa de ser, na essência, direito de propriedade, pois não passa de uma casca vazia à procura de seu conteúdo e sentido, uma formalidade legal negada pela realidade dos fatos (Recurso Especial nº 1.144.982/PR, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, julgado 13 de outubro de 2009; além do Recurso Especial nº 963.499/PR, Ministro Herman Benjamin, julgado dia 19 de março de 2009).

Entendemos que essa análise jurisprudencial comparativa encontra guarida quando tratamos do IPTU.

A única diferença entre impostos reside no fato que o ITPU é imposto sobre imóvel situado em zona urbana e que o ITR, imposto incidente sobre imóvel rural, não obstante o fato de que o STJ já julgou que essa regra não é absoluta ao admitir que imóvel localizado em região urbana, não incidiria IPTU se referido imóvel fosse usado para  exploração extrativa, vegetal, agrícola, pecuária ou agroindustrial (Recurso Especial 1.112.646/SP, Relator Ministro Herman Benjamin).

Mas há unicidade no âmbito da incidência, já que em seu aspecto material, tais impostos incidem sobre a propriedade, o domínio útil ou posse de imóvel. Vejamos que o ITR, em seu art. 29 do Código Tributário Nacional (CTN): “O imposto, de competência da União, sobre a propriedade territorial rural tem como fato gerador a propriedade, o domínio útil ou a posse de imóvel por natureza, como definido na lei civil, localização fora da zona urbana do Município.” Ou seja, os dois impostos têm origem em conceitos relativos aos mesmos institutos do direito privado, como é o caso da propriedade, domínio útil e a posse de imóvel.

Outrossim, na análise de seu aspecto pessoal, o sujeito passivo do ITR “é o proprietário do imóvel, o titular de seu domínio útil, ou o seu possuidor a qualquer título” (art. 31 do CTN). E para fins de IPTU, art. 34 do CTN descreve como contribuinte “… o proprietário do imóvel, o titular do seu domínio útil, ou o seu possuidor a qualquer título.” Redação idêntica.

Em suma, sem a presença dos elementos em que o CTN estabelece, como a capacidade de uso, fruição e gozo, plenos e exclusivos, a posse e domínio útil, pelo proprietário, não se constitui a relação jurídico-tributaria que obriga o pagamento do IPTU pelo proprietário durante o período em que não é possível abrir seu negócio em razão da pandemia.

Fonte: Migalhas

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