Artigo – O quão livre é a liberdade de acesso à informação? – Por Rafael Wobeto Pinter

A Lei de Acesso à Informação (Lei 12.527 de 2011) estabelece, em seu artigo 7º, inc. I e II, que o acesso à informação compreende, entre outros, os direitos de orientação sobre os procedimentos para a consecução de acesso, bem como sobre o local onde poderá ser encontrada ou obtida a informação almejada, assegurando também o direito de obter informação contida em registros ou documentos, produzidos ou acumulados por seus órgãos ou entidades, recolhidos ou não a arquivos públicos.

Embora aparentemente o texto legal não comporte grandes elocubrações, a questão que surge para qualquer desenvolvedor de aplicações (seja qual for a linguagem utilizada) é saber em que medida o acesso à informação compreende, também, a elaboração, pela Administração Pública e, mais especificamente, pela Administração da Justiça, de um Web Service, entendido aqui como uma solução desenvolvida pelo portador de determinados dados ou metadados para integrar aplicações (normalmente, externas e por meio de sistemas próprios).

Afinal, o acesso à informação está restrito às funcionalidades disponibilizadas com o navegador (geralmente por meio do próprio sítio do tribunal), ou também compreende a integração dos tribunais com sistemas externos, que se conectam, por meio de um Web Service, para, em regra — mas não somente, a depender das necessidades e das possibilidades do serviço —, a consulta de dados armazenados pelos tribunais (jurisprudência, processos, precatórios etc.) em seu sistema próprio?

Dito de forma simples e direta: por meio de um Web Service, qualquer aplicação pode conectar-se para consulta ou, em sendo o caso, inserção de dados em determinado sistema. Trata-se de um padrão de interconexão entre sistemas heterogêneos que utiliza a web, viabilizando a troca de informações.

Entre os tribunais brasileiros, o único e pioneiro modelo de Web Service foi desenvolvido pelo Supremo Tribunal Federal. Contudo, a funcionalidade da solução (e sua integração) é restrita aos sistemas próprios dos demais tribunais do país, com a finalidade de enviar e receber processos, peças e comunicações em meio eletrônico[1].

A discussão se torna ainda mais interessante se se observar que a elaboração de um Web Service pelos tribunais para integrar aplicações (e tornar  o seu sistema “developer friendly”, para dizer o mínimo) não encontra óbice em nenhuma das situações listadas pelos incisos do art. 23 da Lei de Acesso à Informação, que trata dos casos em que a divulgação das informações ou seu acesso são passíveis de restrição e de classificação.

Salvo melhor juízo, um Web Service para, por exemplo, a mera consulta de dados de jurisprudência ou de processos ajuizados na competência do respectivo tribunal — e dentro de seu sistema próprio — não põe em risco a vida, a segurança ou a saúde da população, não prejudica ou causa risco a sistemas, bens, instalações ou áreas de interesse estratégico nacional, não põe em risco a segurança das instituições do Poder Judiciário nem, por fim, compromete atividades de inteligência, bem como de investigação ou fiscalização em andamento, relacionadas com a prevenção ou repressão de infrações.

Mas a discussão não gira em torno apenas das previsões legais contidas na Lei de Acesso à Informação.

A melhoria da prática jurídica passa inevitavelmente pelo desenvolvimento de aplicações, isto é, pela inserção, cada vez maior, da tecnologia dentro do Poder Judiciário e da rotina do operador do Direito: desde a pesquisa jurisprudencial até a consulta processual.

A inexistência de soluções tais como um Web Service impede que o Poder Judiciário divida a responsabilidade de encontrar caminhos para o desenvolvimento de melhores práticas jurídicas com a sociedade, a quem também é dado o direito de buscar novos recursos em um Estado Democrático de Direito que tem como fundamento a livre iniciativa (art. 1º, inc. IV, CRFB).Não se trata, portanto, apenas de garantir acesso à informação, mas, também, de permitir a participação da sociedade e do livre mercado na modernização das práticas jurídicas: todos saem ganhando, desde o jurisdicionado até mesmo a Administração da Justiça.

A questão pode ser ainda mais sensível se se pensar no monopólio do desenvolvimento de aplicações pelo Poder Judiciário (ou pelas empresas por ele contratadas), pois sem um Web Service e sem a possibilidade de integração entre os sistemas torna-se realmente penoso o trabalho de um player externo interessado no desenvolvimento de aplicações tendentes a melhorar ou facilitar as práticas jurídicas.

Com isso, perde-se muito, e o avanço tecnológico dentro do ambiente judicial repousa quase que exclusivamente sob os ombros da Administração da Justiça, atualmente carente de recursos financeiros.

Ao fim e ao cabo, cabe saber também até que ponto o Poder Judiciário deve ser o condutor dos avanços tecnológicos ou um mero participante de um ecossistema maior, disposto a dialogar com os demais players por meio da disponibilização de seus códigos e da elaboração de um Web Service para a consulta de dados que atualmente já são públicos, tornando-os mais manipuláveis e transparentes.

A julgar pela postura adotada quanto à elaboração de um Web Service, não carece um Walt Whitman — poeta do futuro, da multidão e da liberdade — para anunciar a visão antiquada de desenvolvimento sustentada pelos tribunais brasileiros. Tudo bem visto, como diria Paulo Leminski: gente que mantém pássaros na gaiola tem bom coração; os pássaros estão a salvo de qualquer salvação.

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[1] Sobre isso, v. http://portal.stf.jus.br/textos/verTexto.asp?servico=processoIntegracaoInformacaoGeral

RAFAEL WOBETO PINTER – Advogado e Mestre em Direito pela Faculdade de Direito da UFRGS. Sócio-fundador da GAIO Jurisprudência e da Agrega Pesquisa e Desenvolvimento em Biotecnologia.

 

Fonte: JOTA

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