Artigo – A comissão de corretagem na atividade da incorporação imobiliária – Por Melhim Chalhub

Recente decisão do Superior Tribunal de Justiça (REsp 1.783.074-SP) reafirma o direito do corretor à remuneração desde que alcançado o resultado previsto no contrato de mediação e mesmo que haja arrependimento de uma das partes.

Trata-se de ação de cobrança promovida por duas empresas corretoras que diligenciaram a aproximação das partes para negócio imobiliário, mas o promitente comprador não compareceu ao Cartório para celebração da escritura de compra e venda nas duas datas para as quais foi agendada.

Segundo o acórdão, o não comparecimento para celebração do contrato caracteriza arrependimento, que, se imotivado, não exonera o comitente do pagamento da comissão de corretagem, que, segundo o art. 725 do Código Civil, é exigível “uma vez que tenha conseguido o resultado previsto no contrato de mediação, ou ainda que este não se efetive em virtude de arrependimento das partes”.

A decisão desperta a atenção para a alteração legislativa introduzida pela Lei 13.786/2018 na Lei 4.591/1964, dá nova configuração à promessa de venda de imóveis integrantes de incorporação imobiliária, ao permitir a transferência do pagamento da corretagem ao promitente comprador e ao lhe conferir prazo de reflexão de sete dias para arrependimento ou confirmação do contrato, quando assinado fora da sede da incorporadora, nos termos do art. 49 do Código e Defesa do Consumidor e dos arts. 35-A, III e VII, e 67-A, §§ 10, 11 e 12 da Lei 4.591/1964, com a redação dada pela Lei 13.876/2018.

Diante desses novos elementos de caracterização, importa qualificar o que seria o resultado útil do contrato de corretagem a que se refere o art. 725 do Código Civil, no contexto da incorporação imobiliária, uma vez que o exercício do direito de arrependimento pelo adquirente frustra a eficácia da promessa de compra e venda e, em consequência, obsta a consecução do “resultado previsto no contrato de mediação.”

Observe-se a atividade do corretor na perspectiva de uma obrigação de resultado ou de meio.

Admitindo-se que a obrigação do corretor seja de resultado, numa compra e venda de imóvel o “resultado previsto no contrato de mediação” seria alcançado mediante celebração da respectiva escritura, mas, se se admitir que se trata de obrigação de meio, bastaria que o trabalho de aproximação realizada pelo corretor gerasse o consenso das partes para se considerar caracterizado esse resultado.

Trata-se de questão tormentosa, a propósito da qual Cláudio Luiz Bueno de Godoy observa que, embora “se tenha firmado tendência em admitir que seja de resultado (…), a dificuldade esteve e está em identificar quando a aproximação, conteúdo da prestação, revela-se útil e proveitosa.”1

O tema comporta controvérsia, registrando-se na jurisprudência construída a partir da vigência do Código Civil de 2002 tendência no sentido de definir que “aproximação útil” ou “resultado útil” é aquele alcançado em razão das diligências do corretor das quais resulte o consenso das partes sobre a celebração do negócio, pouco importando a natureza do instrumento que expressa esse consenso (REsps 1.339.642-RJ e 1.765.004-SP).2

De acordo com essa orientação, a comissão de corretagem será devida mesmo que o compromisso firmado pelas partes venha a ser desfeito sem culpa do corretor, como é o caso, por exemplo, do desfazimento da promessa em razão da não obtenção de financiamento por fatos atribuíveis ao adquirente.3

A comissão será devida também em caso de arrependimento de qualquer das partes, desde que imotivado ou decorrente de causa estranha à atividade profissional do corretor.4

Há situações, entretanto, que excluem essa responsabilidade, tornando inexigível o pagamento da remuneração do corretor.

Seria o caso, por exemplo, de recusa da parte em concluir o negócio em virtude de risco à segurança jurídica, que, nas palavras de Alexandre Gomide, “não se trata de arrependimento pura e simplesmente, mas desistência justificada, oportunidade em que a comissão não é devida porque ausente suporte fático que garanta a segurança do negócio intermediado pelo corretor.”5

Outra hipótese de inexigibilidade da remuneração do corretor é a de frustração do negócio decorrente de ação ou omissão desse profissional em relação aos seus deveres e obrigações, tais como a prestação de “esclarecimentos acerca da segurança ou do risco do negócio (…), e outros fatores que possam influir nos resultados da incumbência” (CC, art. 723, REsps 1.272.932/MG e 1.364.574-RS).

Mas, ressalvadas essas e outras situações excludentes da responsabilidade de pagamento da comissão de corretagem, sua exigibilidade não é comprometida pelo arrependimento de qualquer das partes na promessa de venda, desde que imotivado, como reconhecido pelo recente acórdão do REsp 1.783.074-SP.

A definição da exigibilidade ou não da remuneração decorre do exame das circunstâncias do caso concreto, pois “somente com a análise da situação concreta poderá o julgador concluir pelo cabimento, ou não, da comissão de corretagem, observando os contornos fáticos e as provas produzidas na instrução processual” (REsp 1.272.932-MG).

A essas e outras situações correspondentes aos contornos fáticos e às provas produzidas nos autos acrescentam-se as alterações que a Lei 13.786/2018 introduziu na dinâmica da comercialização de imóveis integrantes de incorporação imobiliária e na caracterização dos respectivos contratos, que merecem atenção não somente em razão da grande massa de negócios gerados por essa atividade, mas, particularmente, pela necessidade de sua interpretação conjunta com a regra geral do art. 725 do Código Civil.

Com efeito, até o advento da Lei 13.786/2018, a promessa de venda de imóveis integrantes de incorporação imobiliária era irretratável, bastando sua assinatura para que se caracterizasse o “resultado previsto no contrato de mediação” a que se refere o art. 725 do Código Civil.

Portanto, o pagamento da comissão de corretagem era exigível desde a assinatura da promessa de venda irretratável.

Entretanto, na nova configuração que essa lei deu à promessa de venda nas incorporações imobiliárias o resultado útil da corretagem dependente de evento futuro na medida em que, nessa nova tipificação, (i) permite a atribuição do pagamento da corretagem ao promitente comprador, (ii) inclui a identificação do corretor e a indicação de sua remuneração no instrumento de contratação da promessa e (iii) confere ao adquirente o direito temporário de arrependimento, se assinado o contrato fora da sede da incorporadora, com direito à restituição da totalidade do que pagou, inclusive a comissão de corretagem.

Ressalte-se, por relevante, que nessa espécie de promessa o direito de arrependimento conferido ao adquirente não se equipara ao “arrependimento imotivado” (que não exonera o comitente da obrigação de pagar a comissão de corretagem), pois o exercício desse direito do adquirente (conferido como direito potestativo) torna inexigível a comissão de corretagem.

Portanto, nessa nova configuração, pouco importa se o arrependimento é motivado ou não, pois, sendo direito potestativo, a simples manifestação de arrependimento obsta os efeitos da promessa que configuraria o “resultado previsto no contrato de mediação.”

Assim, na medida em que promessa de venda de imóveis integrantes de incorporação imobiliária somente se revestirá da higidez de um contrato insuscetível de arrependimento se o promitente comprador deixar de exercer seu direito potestativo no prazo de reflexão de sete dias, esse fato não pode deixar de ser considerado na aferição do resultado útil do contrato de mediação que o levou a celebrar a promessa fora da sede da incorporadora, nos termos do art. 49 do Código e Defesa do Consumidor e dos arts. 35-A, III e VII, e 67-A, §§ 10, 11 e 12 da Lei 4.591/1964, com a redação dada pela Lei 13.876/2018.

Nesse contexto, o resultado útil da corretagem na comercialização de imóveis integrantes de incorporação imobiliária será caracterizado no momento em que a promessa de venda se revestir da higidez decorrente do não exercício do direito de arrependimento e só então se tornará exigível o pagamento da comissão de corretagem, coerentemente com o entendimento da jurisprudência, segundo o qual “somente nascerá o direito à comissão caso a corretagem logre êxito em trazer um resultado útil para as partes” (REsp 1.339.642-RJ).

1 GODOY, Cláudio Luiz Bueno de, Código Civil comentado – doutrina e jurisprudência. Coord.: Ministro Cezar Peluso. Barueri: Editora Manole. 12. ed., 2018, p. 726.

2 “A assinatura da promessa de compra e venda e o pagamento do sinal demonstram que o resultado útil foi alcançado e, por conseguinte, apesar de ter o comprador desistido do negócio posteriormente, é devida a comissão por corretagem. 6. Recurso especial não provido”. (REsp 1.339.642/RJ, Rel. Ministra Nancy Andrighi, 3ª Turma, DJe 18/03/2013).

“Recurso especial. Direito civil e processual civil. CPC/73. Ação de cobrança. Corretagem. 1. Caso concreto em que o corretor de imóveis pretende o recebimento de comissão por ter intermediado a celebração de contrato de compromisso de parceria para loteamento urbano. 2. É devida a comissão de corretagem por intermediação imobiliária se o trabalho de aproximação realizado pelo corretor resultar, efetivamente, no consenso das partes quanto aos elementos essenciais do negócio. Precedentes. 3. Conforme expressamente reconhecido pelas instâncias ordinárias, em razão da atuação do corretor, os recorridos celebraram com a empresa Realiza Loteadora, Incorporadora, Pavimentação e Obras Ltda um “contrato de compromisso de parceria para loteamento urbano”. 4. Inegável o benefício patrimonial obtido pelos recorridos com a parceria realizada, pois a gleba de terra rural, sem uso e benfeitorias, foi transformado em um empreendimento imobiliário de grande porte. 5. Deve ser remunerada a atuação do corretor que, no caso concreto, promoveu a aproximação dos seus contratantes com a interessada em assumir o loteamento, em razão do inegável resultado útil obtido. 6. Diante das particularidades do caso concreto e para evitar o “bis in idem”, a comissão de corretagem deve observar o sugerido pelos próprios recorridos.” (REsp 1.765.004 / SP, rel. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, 3ª Turma, DJe 5.12.2018).

3 “[…] quando as partes firmam, de algum modo, atos, com mediação da corretora, que geram obrigatoriedade legal de proceder-se ao registro imobiliário, tal como ocorre no caso de celebração de promessa de compra e venda ou de pagamento de sinal, torna-se devida a percepção de comissão de corretagem, mormente quando eventual desfazimento do negócio não decorrer de ato praticado pela corretora.” (REsp 1.228.180/RS, Rel. Ministro Raul Araújo, 4ª Turma, DJe 28/03/2011).

4 “Direito civil. Ação de cobrança. Compra e venda de imóvel. Comissão de corretagem. Assinatura da promessa de compra e venda. Resultado útil da mediação atingido. Desistência da compradora. Arrependimento não motivado. Comissão devida. 1. Ação de cobrança por meio da qual se objetiva o pagamento de comissão de corretagem, em razão de intermediação na venda de imóvel. 2. Ação ajuizada em 05/05/2016. Recurso especial concluso ao gabinete em 24/08/2018. Julgamento: CPC/2015. 3. O propósito recursal é definir se é devida a comissão de corretagem na hipótese em que houve superveniente desistência imotivada quanto à celebração do contrato de compra e venda de imóvel. 4. A remuneração do corretor é devida quando este conseguir o resultado previsto no contrato de mediação, ainda que este não se efetive em virtude do arrependimento das partes, como mesmo preceitua o art. 725 do CC/02. 5. O arrependimento de quaisquer dos contratantes não afetará na comissão devida ao corretor, desde que o mesmo se dê por causa estranha à sua atividade. 6. Na espécie, as partes contratantes assinaram o instrumento de promessa de compra e venda, tendo havido a atuação efetiva das corretoras para tanto. Deve-se reconhecer, portanto, que o resultado útil da mediação foi atingido. 7. O negócio foi posteriormente desfeito, sem qualquer contribuição das corretoras para a não consolidação do negócio, isto é, o arrependimento da contratante deu-se por fatores alheios à atividade das intermediadoras. Destarte, a comissão de corretagem é devida, na espécie.” (REsp 1.783.074-SP, rel. Ministra Nancy Andrighi, 3ª Turma, DJe 21.11.2019).

5 GOMIDE, Alexandre Junqueira. Contrato de corretagem: responsabilidades quanto à segurança jurídica do contrato pretendido e comissão pelo resultado útil. Um estudo à luz do Código Civil. In: Direito Civil: Estudos: Coletânea do XV Encontro dos Grupos de Pesquisa – IBDCIVIL. Coord: Giselda Hironada e Romualdo Baptissta dos Santos. São Paulo: Editora Edgar Blücher Ltda., 2018.

Fonte: ConJur

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